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Denúncias em Mogi das Cruzes alertam para riscos do exercício ilegal da medicina em óticas

Denúncias em Mogi das Cruzes alertam para riscos do exercício ilegal da medicina em óticas

Publicado em: Vanguarda Alto Tietê

Por Sabrina Pacca
 

Experimente caminhar pela calçada da Rua Doutor Deodato Wertheimer, tanto faz o sentido, e tenha uma péssima experiência sendo abordado por vendedores da QÓculos Outlet, uma franquia que se instalou em Mogi das Cruzes, naquele endereço, no quarteirão entre as ruas Ipiranga e Senador Dantas. Essa abordagem, bastante inoportuna, têm deixado os mogianos chateados e incomodados.

Da insistência para que a pessoa "ganhe um brinde", até o toque físico, pegando pelo braço quem passa pela rua e levando para dentro da loja, a conduta das vendedoras já é motivo de reclamação, inclusive no Procon. Há denúncias, além disso, de propaganda enganosa, venda casada e até exercício ilegal da medicina.

A reportagem da Vanguarda foi conferir. Poucos minutos na calçada da Deodato bastaram para que duas vendedoras, vestidas com aventais da marca, nos abordassem. Um delas estava do outro lado da rua com uma sacola na mão e disse que se a gente retirasse um papelzinho dessa sacola, iria ganhar um prêmio. Nos recusamos, mas ela seguiu atrás de nós por um quarteirão inteiro.

Atravessando a rua, a outra nos abordou na porta da loja, com a mesma sacolinha, pedindo para que retirássemos um brinde. "Entra na loja, moça. Você pega seu brinde, sem compromisso. Mas entra na loja para ver o que temos. Temos óculos com armações a partir de R$ 40,00 e você ainda ganha o exame de vista grátis", prometeu a vendedora.

Recusamos, mais uma vez, o convite e seguimos em direção à Avenida Voluntário Fernando Pinheiro Franco, quando nos deparamos com mais uma loja dessa mesma franquia, na esquina com a Rua Braz Cubas. Dessa vez, uma vendedora nos abordou na porta. "Oi moça, bom dia. Exame de vista hoje para fazer seu óculos?", ofereceu. Perguntamos se eles faziam o exame na loja e ela explicou que era em uma clínica. "A gente tem uma médica, que fica aqui ao lado", confessou.

Questionamos se essa profissional era médica oftalmologista e a resposta foi negativa. "Não é. É optometrista, mas ela só não dilata o olho. Ela identifica patologias, tá?", prometeu a vendedora, explicando que ela faria o acompanhamento até a tal clínica, que fica, segundo ela, na Deodato, ao lado de onde funcionava a Loja Marabraz, e que, depois de ter recebido a receita da tal "médica", ela faria um orçamento de óculos, sem que nós gastássemos nada com isso.

Muitos acabam indo à clínica indicada, que nada mais é do que uma salinha em sobreloja, onde uma pessoa (não sabemos qual é a real formação dela) , faz um teste ocular e te dá uma receita para óculos. A reportagem conversou com uma lojista que foi até esse local, encaminhada pela QÓculos, mesmo sabendo que não precisava usar óculos de grau.

"Eu tinha ido ao médico oftalmologista fazia uns dias, mas me encheram muito a paciência e eu decidi ver no que daria. Fui até essa salinha, uma mulher fez o exame das letras, sabe? Aquele em que você lê as letras menores e maiores, e saí de lá com uma receita de 0,25 de miopia para o lado esquerdo e quase 0,5 para o lado direito, mas sei que não preciso usar óculos. Tudo falso, só para vender. Daí uma funcionária da ótica vem te buscar e, praticamente, te empurra para dentro da loja para que você faça um orçamento. Se você se recusa a comprar o óculos ali com eles, eles não te dão a receita da tal médica", relatou a vendedora.

Vários depoimentos parecidos foram apurados pela nossa reportagem que conversou, ainda, com proprietários de óticas mogianas, com mais de 30 anos de existência na área central de Mogi. Eles foram unânimes em dizer que muitos clientes, atraídos pela facilidade de pagamento e preços muito abaixo do mercado, passaram pela QÓculos, mas se arrependeram. "Todos falam que os óculos não deram certo. Que o que foi receitado no exame de vista não corresponde aos óculos entregues e, pior, que muitas lentes são mal feitas e as armações, praticamente, descartáveis", afirmou um dos comerciantes tradicionais no ramo.

Outra proprietária de ótica entrevistada pela Vanguarda disse que não é raro que seus clientes tentem essa loja QÓculos e depois precisam refazer os óculos. "Muitos voltam aqui com uma cara de arrependimento porque pagaram para essa loja fazer algo mal feito e terão de pagar, novamente, mas dessa vez, conosco, para ter um óculos certinho. Isso está se tornando cada vez mais comum", ressaltou outra lojista, lamentando que não haja nos dias de hoje, segundo ela, fiscalização nesses estabelecimentos que mexem com a saúde ocular das pessoas. Antigamente a fiscalização era feita, de forma constante, pela Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo.
 

O que diz o Procon?

O Procon de Mogi das Cruzes informou à Vanguarda que tem recebido denúncias sobre estabelecimentos comerciais da Cidade e realizado, diariamente, fiscalizações para constatar possíveis irregularidades relatadas pelos consumidores. Segundo o coordenador do Procon, Álvaro Nicodemus, a prática citada pela reportagem pode caracterizar métodos comerciais coercitivos ou desleais, além de propaganda enganosa. Para checar a situação, uma equipe de fiscalização do Procon será encaminhada ao local. O telefone para mais informações, orientações ou denúncias é 4798-5090.
 

O que diz o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO)?

Segundo o departamento jurídico do CBO, a ocupação de optometrista não possui regulamentação legal, razão pela qual deve ser destacado que conforme a Lei 12.842/2013 (Lei do Ato Médico) o diagnóstico de doenças e a devida prescrição dos tratamentos para estas doenças identificadas, são atos que só podem ser realizados por médicos, conforme art. 4, X da lei 12.842/2013.

Isto inclui a realização de exames de vista/consultas oftalmológicas, pois são procedimentos que tem como objetivo o diagnóstico de doenças, anomalias e disfunções que acometem a visão, para que após isto, se necessário, seja feita a prescrição das lentes de grau, que são o tratamento para determinadas doenças. Logo, nenhum optometrista pode realizar tais procedimentos, mesmo que tenha graduação de ensino superior em optometria,diz o CBO.

"A prática de atos médicos por optometristas pode ainda configurar o crime de exercício ilegal da medicina, previsto no art. 282 do código penal",salienta o Conselho.

Com relação aos estabelecimentos óticos deve ser destacado que os artigos 16 e 17 do decreto-lei 24.492/34 vedam expressamente que a ótica anuncie ou tenha cartazes oferecendo exames de vista, indique pessoa ou clínica para a realização de exames, bem como, tenha quaisquer equipamentos para exames dos olhos no seu estabelecimento ou dependências. Isto significa que nenhuma ótica poderá estar associada à optometristas, para que ofereça exames de vista para seus consumidores, podendo esta conduta configurar infração sanitária e consumerista.

O Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) diz, ainda, que ao receber este tipo de denúncia costuma ajuizar ações civis públicas em face dos estabelecimentos óticos, requerendo a imediata interrupção da oferta e realização destes exames, bem como, a penalização pela prática de publicidade abusiva/enganosa. Além disto, são encaminhadas denúncias formais para a Vigilância Sanitária, Procon e Ministério Público competente.


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